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Introdução à Filosofia

APRESENTAÇÃO

Ao incluirmos no programa do curso básico em teologia esta disciplina (Introdução à Filosofia), nosso objetivo é incentivar o exercício intelectual de nossos alunos. A Filosofia ajuda a abrir a mente. Em si mesma, não tem nada de mal. A partir do exercício filosófico, podemos desenvolver nossa capacidade de argumentar, inclusive em defesa da nossa fé.
Sem a ajuda da lógica e da filosofia, a teologia cristã não seria possível. O pensar coerente e consistente acerca da Bíblia (que é uma boa definição simples de teologia) não pode ser realizado sem a ajuda da filosofia. Neste sentido, o teólogo cristão é um estudante bíblico filosófico.
Uma cosmovisão (visão de mundo) pode ser considerada como óculos através dos quais a pessoa olha o mundo. Assim, para uma pessoa usando óculos vermelhos, tudo parecerá vermelho. Já para uma pessoa usando óculos amarelos, tudo parecerá amarelo. Uma das tarefas da filosofia cristã é ajudar no processo de comunicação entre aqueles que sustentam cosmovisões diferentes, pois faz muita diferença que tipo de “óculos” a pessoa está usando quando olha o mundo.
Para o cristão, o desafio da filosofia é duplo. Primeiramente, o cabra é desafiado a pensar de modo crítico, claro, correto. Em segundo lugar, por causa das suas crenças bíblicas básicas, ele precisa empregar a filosofia na sistematização destas crenças, e na argumentação filosófica em defesa do Cristianismo. É mais ou menos assim: o cristão precisa da filosofia para tornar o crível inteligível. A filosofia, portanto, é uma ferramenta que o cristão pode e deve utilizar parar mostrar e dar sentido a sua fé. Enfim, é uma belezura.

Isac Machado de Moura

LIVROS UTILIZADOS NA CONSTRUÇÃO DESTA APOSTILA (E RECOMENDADOS):

1. Filosofia e Fé Cristã
Colin Brown
Vida Nova

2. Introdução à Filosofia (uma perspectiva cristã)
Norman L. Geisler e Paul D. Feinberg
Vida Nova

3. Convite à Filosofia
Marilena Chauí
Editora Ática


A PALAVRA FILOSOFIA

A palavra filosofia é grega. É composta por duas outras: philo (amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais) e sofia (sabedoria), de onde vem sophos (sábio). Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo é o cara que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber.

ATITUDE CRÍTICA

A primeira característica da atitude filosófica é negativa, ou seja, diz não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.
A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós; é uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é?
A filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica é dizer “sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a filosofia começa com o espanto.

PARA QUE FILOSOFIA?

Ironicamente, pode-se dizer que “a filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece o mesmo”, ou seja, a filosofia não serve para nada. Por isso, costuma-se chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente inúteis.
Agora falando sério, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os cientistas e os filósofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a Filosofia não serve para nada. A ciência evolui à medida em que as pessoas perguntam, refletem e buscam soluções.

MAS AFINAL, O QUE É FILOSOFIA?

Visão de mundo de um povo, de uma civilização ou de uma cultura. Filosofia corresponde, de modo vago e geral, ao conjunto de idéias, valores e práticas pelos quais uma sociedade apreende e compreende o mundo e a si mesma, definindo para si o tempo e o espaço, o sagrado e o profano, o bom e o mau, o justo e o injusto, o belo e o feio, o verdadeiro e o falso, o possível e o impossível. O problema desta definição é que ela é tão genérica e tão ampla que não permite, por exemplo, distinguir a Filosofia e a religião, logo não podemos aceitá-la.

Sabedoria de vida. A Filosofia seria então uma contemplação do mundo e dos homens para nos conduzir a uma vida justa, sábia e feliz, ensinando-nos o domínio sobre nós mesmos, sobre nossos impulsos, desejos e paixões. É nesse sentido que se fala em “filosofia do budismo” ou que se diz que “o cristianismo é uma filosofia de vida”. Esta definição nos diz de modo vago o que se espera da Filosofia (a sabedoria interior), mas não o que é e o que faz a Filosofia. Também não dá para aceitá-la.

Esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido. Neste caso, começa-se distinguindo entre filosofia e religião e até mesmo opondo uma à outra, pois ambas possuem o mesmo objetivo (compreender o universo), sendo que a filosofia faz isso através do esforço racional, enquanto a religião o faz por confiança (fé) numa revelação divina, ou seja, a filosofia procura discutir até o fim o sentido e o fundamento da realidade, enquanto a consciência religiosa se baseia num primeiro dado inquestionável, que é a revelação divina. Pela fé, a religião aceita princípios considerados irracionais pelo pensamento, o que a filosofia não admite. Esta definição também é problemática porque dá à Filosofia a tarefa impossível de oferecer uma explicação e uma compreensão totais sobre o Universo. Logo, esta definição também não pode ser aceita.

Fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas. A Filosofia, cada vez mais, ocupa-se com as condições e os princípios do conhecimento que pretenda ser racional e verdadeiro; com a origem, a forma e o conteúdo dos valores éticos, políticos, artísticos e culturais. A Filosofia não é ciência, é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e conceitos científicos; não é religião, é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas.


O BEM E O MAL

As religiões organizam a realidade segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (luz e treva; puro e impuro). Na concepção monoteísta judaico-cristã-islâmica, Deus é bom, justo, misericordioso, clemente, criador único de todas as coisas, onipotente e onisciente, eterno e infinito. Deus é o ser perfeito por excelência, é o próprio bem e este é eterno como Ele.
Se o bem é eterno e infinito, então como surgiu sua negação, o mal? Que positividade poderia ter o mal, se no princípio, havia somente Deus, eternamente bom? Admitir um princípio eterno e infinito para o mal seria admitir dois deuses, incorrendo no primeiro e mais grave dos pecados, pois tanto os dez mandamentos quanto o credo cristão afirmam haver um só e único Deus. Além disso, Deus criou todas as coisas do nada; tudo o que existe é, portanto, obra de Deus. Então se o mal existe, seria obra de Deus? Deus sendo o próprio bem, poderia criar o mal? Como o perfeito criaria o imperfeito? Então, afinal de contas, qual é a origem do mal? A criatura.
Deus criou inteligências imateriais perfeitas, os anjos. Um deles deseja ter o mesmo poder e o mesmo saber que o Criador, lutando contra Ele. Menos poderoso e menos sábio, é expulso com seus seguidores da presença divina. Não reconhecem, porém, a derrota e formam um reino separado de caos e trevas e prosseguem na luta contra o Criador. Que vitória maior teriam senão corromper a mais alta das criaturas após os anjos, ou seja, o ser humano? Valendo-se da liberdade dada ao homem (livre arbítrio), os anjos do mal corrompem a criatura humana e, com esta, o mal entra no mundo.
O mal é o pecado, isto é, a transgressão da lei divina que o primeiro homem e a primeira mulher praticaram. Sua punição foi o surgimento dos outros males: morte, doença, dor, fome, sede, frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula, preguiça, avareza. Pelo mal, a criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade original que possuía.
O mal, portanto, não é uma força positiva de mesma realidade que o bem (dualismo), mas é pura ausência do bem, pura privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim como a treva não é algo positivo, mas simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do bem. Há um só Deus e o mal é estar longe e privado dele, pois Ele é o único bem.


FILOSOFIA E FÉ CRISTÃ

O relacionamento entre a filosofia e a fé cristã não é um casamento ideal. Na verdade, não é ideal e nem mesmo pode ser considerado um casamento. Muitos cristãos consideram o interesse pela filosofia como um flerte dúbio e perigoso. A mesma desconfiança pode ocorrer entre a maioria dos filósofos . Quando esses dois lados se encontram, o resultado costuma ser uma série de acusações amargas da parte dos filósofos ou uma série de tentativas da parte dos cristãos, no sentido de emendar as coisas. Para Tertuliano (160 – 220 d.C.), a filosofia era a raiz da heresia, e a sabedoria secular, sem o auxílio da fé, jamais poderia trazer o homem a um conhecimento de Cristo. Nesse sentido, é legal dar uma olhadinha nos escritos de Paulo em 1 Co 1:21 e Cl 2:8.

A FILOSOFIA MEDIEVAL

A filosofia não começou na Idade Média, mas esse é um bom ponto para se começar um relato da filosofia e da fé cristã. É que ambas começaram, nesse período, a se levar a sério como nunca antes. Nos primeiros séculos da igreja, os intelectuais ora flertavam com a filosofia, ora a criticavam. Na Idade Média, quase todos os pensadores importantes levavam a sério a filosofia. Para o bem ou para o mal (muito mais para o mal) as idéias filosóficas entraram na corrente sanguínea da teologia medieval e esta, por sua vez, afetou a vida e o pensamento do cristianismo em tempos posteriores.
Não é exagero dizer que um intelectual como Tomás de Aquino tem mais influência atualmente, através dos seus escritos e do seu impacto sobre o catolicismo em geral, do que durante a sua vida. A diferença entre a teologia reformada e a teologia católica deve-se, em grande parte, à atitude diferente que cada uma adota diante da filosofia.
Muitas das perguntas formuladas e respondidas pelos pensadores medievais ainda acompanham nossa geração: Deus existe? Como sabemos? Que provas temos?
Na igreja primitiva, havia uma espécie de relacionamento de amor e ódio com a filosofia secular. Justino Mártir, um dos pais da igreja, morto aproximadamente no ano 165 d.C., que falava grego, tinha sido um estudioso da filosofia por muito tempo antes de se tornar cristão. Mesmo convertido, continuou usando o pálio (o manto do filósofo), proclamando que a fé cristã era “a única filosofia fidedigna e proveitosa”. Argumentou que o logos (palavra ou razão) divino já iluminara pensadores como Sócrates a enxergarem os erros do paganismo. A conclusão lógica de semelhante iluminação tinha sido o cristianismo. Os pais alexandrinos Clemente (150 – 215) e Orígenes (185-254) foram além de Justino em sua reverência para com a filosofia clássica. Orígenes empregava idéias platônicas para interpretar toda a gana do ensino cristão sobre Deus, Cristo e salvação.
Enquanto esses debates estavam acontecendo num nível intelectual, verdadeiras batalhas estavam sendo travadas no nível popular, principalmente com o gnosticismo e depois com o maniqueísmo. Dizia-se que o gnosticismo foi fruto de uma aguda helenização do cristianismo, que era uma forma de cristianismo pervertido por idéias excêntricas da filosofia grega. Mais recentemente, no entanto, percebeu-se que o gnosticismo representava uma miscelânea de idéias religiosas extraídas do Judaísmo, das idéias do Oriente Próximo, da filosofia popular e do Cristianismo, e representava para a igreja primitiva o que hoje representam as Testemunhas de Jeová e a Teosofia. Por fim, o gnosticismo começou a ser ultrapassado pelo maniqueísmo, no século III. Fundado por Mani (215-275), seus ensinos baseavam-se num suposto combate primitivo entre a luz e as trevas. As curas que tais seitas ofereciam para os males do mundo e a salvação da alma dependiam, principalmente, de que a alma se libertasse da sua prisão, que é o corpo. Tudo quanto fosse material era mau; somente o espiritual era bom.

AGOSTINHO (354 – 430)

Agostinho, bispo de Hipona, na África do Norte foi o pensador que mais se destacou nesse período da igreja. A partir de sua conversão, Agostinho dedicou-se a aplicar as Escrituras às questões correntes do cotidiano.
Com os maniqueus (aos quais antes pertencera), Agostinho debatia o problema do mal. Contra o conceito deles de que havia um princípio maligno eterno que se opunha a Deus, Agostinho argumentava que Deus era o único criador e sustentador de todas as coisas. O mal era uma privação do bem. No caso do homem, o mal surgiu do abuso da liberdade que Deus lhe dera. Com os pelagianos (que argumentavam que o homem podia e devia fazer as pazes com Deus pela prática do bem), Agostinho debatia a questão do livre arbítrio. A experiência e a revelação cristã demonstravam que o homem já estava por demais perdido no pecado para poder ajudar a si mesmo. Somente Deus poderia deixar o homem de bem consigo mesmo, e libertá-lo das conseqüências dos seus próprios pecados. Contra os pagãos, que culpavam a influência “corruptora e debilitadora” do cristianismo pela queda de Roma perante as hordas invasoras do norte, Agostinho escreveu A Cidade de Deus. Foi a primeira tentativa de fazer uma filosofia cristã da história. Nessa obra, Agostinho procurou analisar as tendências que atuavam nas atividades humanas. Via o reino de Deus como o alvo de toda a história.
É comum se afirmar que tanto o Catolicismo quanto o Protestantismo tiveram sua origem em Agostinho. O Catolicismo obtém de Agostinho (mas não exclusivamente dele) seu alto conceito de igreja e dos sacramentos. O Protestantismo segue Agostinho em sua visão da soberania de Deus, da perdição do homem no pecado e da graça de Deus, como o único meio para trazer a salvação ao homem. Assim como acontece com qualquer generalização, esta declaração acerca de Agostinho simplifica-o por demais. Há, certamente, católicos, hoje, que compartilham do ponto de vista de Agostinho acerca da salvação, assim como há protestantes que não compartilham dele. Seja como for, porém, foi de Agostinho, mais do que de qualquer outro teólogo, que o pensamento medieval recebeu seu arcabouço teológico de idéias.

A FILOSOFIA GREGA

Uma raiz do pensamento medieval que se estendia ainda mais longe no passado foi a filosofia grega. Quase quatro séculos antes de Cristo, Platão (427-347), o filósofo ateniense, tinha ensinado que o mundo que vemos diante dos olhos e tocamos com os dedos era, na realidade, apenas um mundo de sombras. Era uma reprodução do mundo eterno de formas espirituais, que a alma pura poderia alcançar através da contemplação filosófica. Filo (20 – 50 d.C.), o pensador judeu de Alexandria, adaptou este ensino ao Judaísmo. O platonismo permeava, também, o ensino dos teólogos cristãos de Alexandria, Clemente (150 – 215) e Orígenes (185-254).
Além das várias formas do platonismo, o pensamento medieval foi também profundamente influenciado por Aristóteles (384 – 322 a.C.), sendo que muitas de suas obras foram traduzidas para o latim, no século XII. Platão acreditava num mundo de idéias ou formas espirituais relacionadas entre si, sobre as quais havia a forma do bem. Este era o mundo real. Diferente disso, Aristóteles acreditava que as idéias existiam somente à medida em que eram expressadas em objetos individuais. Além disso, ele se interessava pelos diferentes tipos de causas que produziam as coisas. Para o mundo como um todo, Aristóteles acreditava que havia uma primeira causa, que é a causa não causada de todas as coisas.

A METAFÍSICA


O pensamento da Idade Média caracterizava-se pelo interesse pela metafísica e não pela física. De modo geral, as grandes mentes da Idade Média não se interessavam pelo universo físico em si mesmo. Estavam mais interessadas na realidade que, segundo acreditavam, era subjacente a ele. Não se preocupavam demasiadamente com as questões científicas a respeito dos fenômenos naturais. O que atraía seu interesse era o relacionamento entre o natural e o sobrenatural.
O pensamento medieval era uma curiosa mistura da fé cristã com a filosofia pagã. A igreja tinha o monopólio da erudição, e a maioria dos filósofos medievais era composta por clérigos. Eram filósofos amadores no sentido de não serem profissionais, e pelo fato de praticarem filosofia por amor. Do passado, a igreja havia herdado suas Escrituras e escritos como os de Agostinho. A partir deles, aprendia e ensinava as doutrinas de Deus, da criação e da salvação. Herdou também, no entanto, boa dose da filosofia grega. E muitas das suas melhores mentes se ocupavam em atualizar a igreja e produzir uma síntese das duas. Argumentos e conceitos da filosofia grega eram usados para defender idéias cristãs, e vice-versa. Diante disso, nada mais natural que o resultado frequentemente fosse uma verdadeira confusão. É difícil distinguir qual foi a conseqüência mais desastrosa: a distorção da doutrina cristã, que teve idéias não-cristãs impostas sobre si ou o fato de que, quando tais idéias foram atacadas por críticos posteriores, estes tenham acreditado que tinham conseguido liquidar com o próprio cristianismo.

ANSELMO DE CANTUÁRIA E SEU ARGUMENTO ONTOLÓGICO DA EXISTÊNCIA DE DEUS

Anselmo (1033 – 1109), arcebispo de Cantuária, procurou desenvolver uma demonstração lógica da existência de Deus, descrevendo-O como sendo aquilo que é maior do que qualquer coisa em que se pode pensar. Um dos maiores problemas desse argumento é que o simples fato de definir uma coisa não quer dizer que tal coisa exista. As definições por si só não nos contam nada acerca da realidade, a menos que sejam confirmadas pela observação. Um monge francês chamado Gaunilo de Marmoutiers escreveu uma resposta ao argumento de Anselmo em que dizia que era possível imaginar as ilhas mais perfeitas, mas isso não significaria que de fato existissem.
Ao elaborar seu argumento ontológico, Anselmo estava se permitindo um pouco de teologia natural. Estava procurando comprovar a existência de Deus sem apelar à fé e à doutrina cristãs. Estava procurando algum terreno comum, onde tanto o crente como o incrédulo pudessem se sustentar, na esperança de conquistar o incrédulo, convencendo-o de que a fé em Deus não era uma ilusão. Sua atitude é a seguinte: comprove primeiro, e depois poderá crer. Adota uma espécie de dois passos na apologética. O primeiro passo consiste em empregar a filosofia para lançar os alicerces; o segundo passo trata de introduzir a fé cristã, com base nos argumentos filosóficos. É um procedimento de alto risco, pois se o primeiro passo falhar, o segundo fica em suspenso e ficamos em dúvida quanto à existência de bons motivos para dar este passo.



TOMÁS DE AQUINO (1225 – 1274)

Assim como Anselmo, Aquino era italiano. A despeito dos esforços da família para dissuadi-lo (chegaram a ponto de aprisioná-lo no castelo da família), Tomás entrou para a ordem dominicana e estudou teologia e filosofia. Sua vida foi dedicada à defesa intelectual e à propagação da fé, conforme ele a entendia.
Seu ponto de partida era a convicção de que a existência de Deus não era algo evidente aos homens por si mesma. Exigia provas. As provas eram possíveis porque Deus era o criador do mundo. E assim como uma causa pode ser conhecida, ao menos em parte, por seus efeitos, também a prima causa do universo poderia ser conhecida a partir da ordem criada. Partindo da idéia pré-cristã de uma causa não causada e daquilo que entendia ser o que o apóstolo Paulo queria dizer em Romanos 1:20, Aquino acreditava que a pessoa podia argumentar a partir das coisas que observamos no mundo, até chegar a uma causa primeira, um grande criador por trás dela. Em cada caso, o percurso do argumento segue o mesmo padrão básico. Cada evento forçosamente tem uma causa. Nada causa (nem sequer move ou projeta) a si mesmo. É verdade que a fé cristã em Deus como Criador significa que ele é a prima causa (a causa não causada), o criador do universo. O problema é que este é um artigo de fé, baseado numa consciência de Deus em oposição a nós mesmos e não uma dedução racional, filosófica. Em outras palavras, dizer que comprovamos o Deus da fé cristã (da nossa fé) por meio destes argumentos não rola, é uma ilusão. Outra grande dificuldade deste argumento é a seguinte: a conclusão do argumento de que deve haver uma causa não causada ou um criador não criado nega uma das premissas iniciais do próprio argumento de que nada pode causar ou criar a si mesmo. Mesmo aceitando o argumento de Tomás de que o processo inteiro nunca teria começado sem alguma prima causa, é inevitável a conclusão de que esta causa é hipotética, que está além do alcance da mente humana.
Um dos riscos profissionais do filósofo é fazer um trabalho magnífico para derrubar por terra alguma coisa, e então vir a descobrir que acertou apenas numa nuvem. Os argumentos tradicionais em prol da existência de Deus parecem ser como essa nuvem. Os filósofos os abatem a tiros e voltam para casa satisfeitos, pensando que conseguiram acabar com a fé cristã de uma vez por todas, porém a veracidade da fé cristã não depende desses argumentos, embora eles estejam procurando nos passar uma lição importante.

A DOUTRINA DA ANALOGIA

O ensino de Aquino acerca da analogia é relevante quanto ao significado e a natureza da linguagem religiosa, metafísica e moral. Uma queixa comum dos filósofos agnósticos afirma que, por não poderem atribuir ao texto de declarações religiosas o mesmo significado que encontravam na linguagem secular, as expressões religiosas ou não tinham sentido ou eram expressões disfarçadas de fé naquilo que a gente quer que seja a verdade.
Os próprios escritores bíblicos chamam a atenção para o fato de que Deus se revelou em ação, pensamento e palavra. Ao proclamar Jesus como o Cordeiro de Deus, a luz do mundo ou o bom pastor, faziam-no com base em sua experiência. Tendo em vista seu encontro com Ele, tais expressões eram inteiramente apropriadas. O mesmo pode ser dito acerca dos profetas e escritores do Antigo Testamento, e até mesmo do próprio Jesus. Todos eles podiam dizer como era Deus, por causa do seu encontro com Ele. Não se trata, porém, de termos a palavra dos escritores bíblicos, e de alguém nos dizer que é uma questão de pegar ou largar. Os escritores bíblicos acreditavam que aquilo que proclamavam trazia luz e significado para a experiência humana. A mensagem deles era um veículo do encontro com Deus. Aqueles que a recebessem comprovariam a verdade por si mesmos. As palavras de João 8:12 podem ser tomadas como amostra da idéia bíblica da verdade: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, pelo contrário, terá a luz da vida.” De um lado, é feita uma proclamação não literal, mas uma que emprega a linguagem da analogia. Do outro lado, a verdade dela pode ser plenamente comprovada somente mediante verificação experimental na própria vida.


ANSELMO E AQUINO

Aquino acreditava que a existência de Deus poderia ser comprovada para qualquer homem racional que encarasse os fenômenos da natureza e se dispusesse a extrair disso as devidas conclusões. Já Anselmo, com seu lema “creio para que possa entender”, ressaltava a importância do compromisso e da fé como condição prévia ao entendimento das verdades centrais da fé cristã. Nunca foi intenção de Aquino eliminar a fé e reduzir ao mínimo a importância da revelação. Ele entendia que o argumento racional somente consegue levar as pessoas até certo ponto e que certas coisas, como as doutrinas da Trindade, da expiação e da salvação, são aceitas somente com base na fé (“Quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus ao mesmo tempo é três” – Renato Russo). A posição de Anselmo era muito diferente, pois não se tratava de a fé entrar em ação a partir do ponto onde a razão parou. Assim, para apreender a verdade religiosa, a fé e a razão devem caminhar de mãos dadas. A fé é o ato da dedicação de si mesmo, que coloca o homem em relacionamento com Deus, o qual, por sua vez, capacita o homem a refletir sobre isso. A razão desempenha seu papel em apreender aquele relacionamento e refletir sobre ele.

TEOLOGIA NATURAL E TEOLOGIA REVELADA

Na Idade Média, esses dois tipos de teologia começaram a se cristalizar. A teologia natural defendia que um conhecimento genuíno de Deus e dos seus relacionamentos com o mundo podia ser alcançado mediante a reflexão racional sobre a natureza das coisas, sem que fosse necessário apelar ao ensino cristão. Já a teologia revelada se ocupava com aquilo que era desvendado ao homem por Deus, através da revelação registrada nas Escrituras.

DA REFORMA ATÉ O ILUMINISMO

O período desde a Reforma até a era do Iluminismo abrange trezentos anos. Ao longo destes trezentos anos tivemos o domínio de certas correntes do pensamento que transformaram o cenário intelectual naquilo que é hoje. Como todas as correntes, teve seus altos e baixos. Contudo, se tomarmos o período como um todo, é possível discernir certos movimentos mais abrangentes. A primeira delas foi uma redescoberta de Deus, na ocasião da Reforma. Deus não era visto como objeto de complexa especulação, nem como um mero artigo de fé do credo da igreja, mas sim como alguém que tinha a ver com toda a humanidade, que entrara nas questões humanas, que falara através das Escrituras, que continuava a falar através delas e que tratava com todos os homens de forma pessoal. Esta foi a descoberta básica dos reformadores que trouxe à existência as igrejas reformadas, e que foi o alicerce do movimento puritano e do avivamento evangélico dos séculos XVII e XVIII.
Logo depois, surgiu uma outra corrente voltada para um interesse pelo mundo em geral e pelo homem em particular. Em certo sentido, isso já começara com o Renascimento em meados do século XIV. Achou expressão não somente na literatura, na arquitetura e na pintura, mas também na ascensão da ciência e tecnologia modernas. Em certo sentido, porém, era em parte um subproduto da Reforma. Tendo encontrado Deus em Cristo através das Escrituras, os reformadores não tinham interesse na teologia natural da Idade Média. Para muitos, isto significava que podiam parar de olhar para a natureza em busca de provas de uma realidade transcendente; podiam estudá-la e apreciá-la por si mesma, como uma criação de Deus. Mais cedo ou mais tarde, porém, este fato forçosamente haveria de dar vazão a um novo conjunto de perguntas filosóficas. Na medida em que o tempo foi passando, algumas pessoas vieram a pensar que a ciência poderia explicar tudo em termos de causas naturais. Sobraria lugar para Deus? Em caso afirmativo, como é que Deus se encaixaria no esquema natural das coisas? Ao longo dos séculos XVII e XVIII, respostas diferentes e contraditórias eram dadas a estas perguntas. Alguns filósofos acreditavam em Deus, outros não. Alguns traziam de volta as provas medievais da existência de Deus, outros as atacavam. Descartes virou às avessas toda a abordagem de Aquino. Aquino usara o mundo para comprovar a existência de Deus. Descartes, por sua vez, apelou a Deus para comprovar a existência do mundo. Esta mudança representava mais do que uma mera troca de métodos. Era um sintoma da mudança maior que estava ocorrendo no pensamento europeu, segundo o qual Deus estava sendo empurrado mais e mais para a periferia e, às vezes, completamente para fora desse sistema de pensamento.

A FILOSOFIA E OS REFORMADORES

O último sermão de Lutero em Wittemberg passou para a história como uma investida clássica contra a razão, “a Meretriz do Diabo”. Mas esse não é um ataque isolado contra a filosofia. Em alguns índices das obras completas de Lutero encontram-se referências a Aristóteles como “destruidor da sã doutrina”, “um mero sofista e tergiversador”, “um inventor de fábulas”, “o filósofo fedorento”, “um bode” e um “pagão cego”. Esse tipo de coisa fez com que Lutero conquistasse a reputação de irracionalista irresponsável. Contribuiu, também, para uma impressão generalizada de que a filosofia e a teologia bíblica pouco têm a ver uma com a outra.
Num momento menos acalorado, Lutero refletiu: “Quando eu era monge, desprezavam a Bíblia. Acreditavam que a epístola aos Romanos continha algumas controvérsias acerca de assuntos dos dias de Paulo e que não tinha utilidade para a nossa era. Eram Scotus, Tomás e Aristóteles que deviam ser lidos.” Diante desse contexto, a filosofia fez com que a Bíblia se tornasse irrelevante, e a razão tomou para si o lugar da revelação. Assim sendo, no papel de advogado de Lutero, devo acrescentar que para um cabra do temperamento do reformador, vivendo naquela época e debaixo de tais pressões, é razoável que se expressasse daquela forma. Na verdade, penso que ele não estava condenando a razão como tal. Ele mesmo a empregava com efeito poderoso. O verdadeiro alvo dos seus ataques era o abuso da razão, naquelas situações em que a filosofia negava a verdade da fé cristã. Para ele, a razão tinha seu legítimo lugar na ciência e nas questões cotidianas. Tinha sua função verdadeira em entender aquilo que era posto diante dela, porém não era o único critério da verdade.
Por enquanto, Deus tinha revelado tudo quanto o homem precisava ou poderia agüentar saber acerca de si mesmo em Cristo. Segundo Lutero, “é perigoso desejar investigar e aprender a pura divindade pela razão humana, sem Cristo, o mediador, como têm feito os sofistas e os monges, além de ensinarem os outros a fazer o mesmo... A nós foi dado o Verbo encarnado, que foi colocado na manjedoura e pendurado no madeiro. Este verbo é a sabedoria e o Filho do Pai, e ele nos declarou qual é a vontade do Pai para conosco. Aquele que deixa este Filho, para seguir seus próprios pensamentos e especulações, é esmagado pela majestade de Deus.”
A abordagem de Calvino foi demonstrada de modo menos pitoresco e mais sistemático do que a de Lutero, porém era a mesma na essência. Os dois podiam falar de um duplo conhecimento de Deus. De um lado, há uma consciência geral de Deus que todos os homens possuem. É uma consciência profunda e interior de Deus em face de nós mesmos. Talvez não seja bem definida nem fácil de apontar, mas mesmo assim está ali. Além do mais, a glória da ordem criada reflete a glória do próprio Deus. Apesar de tudo isso, o homem se afundou tanto no pecado que sua sensibilidade espiritual tornou-se embotada. Por outro lado, Deus se revelou através das Escrituras não somente como criador, mas também como redentor em Cristo. Nas Escrituras, Deus tinha revelado a si mesmo de modo especial, de uma maneira que era relevante para todas as épocas.

O RACIONALISMO

Na linguagem comum, o termo racionalismo veio a significar a tentativa de julgar tudo à luz da razão. Vinculado a esse conceito, está o pressuposto de que, ao proceder dessa maneira, a razão terá descartado completamente o sobrenatural, não restando-nos mais nada além da natureza e dos fatos nus e crus, todavia, num sentido mais técnico e filosófico, o racionalismo denota um ponto de vista mais específico e menos ateu.
Os reformadores do século XVI eram dominados por uma preocupação com Deus. Já os racionalistas do século XVII estavam muito mais entusiasmados com o mundo do que com Deus, embora não fossem homens sem religião.


DESCARTES

O primeiro dos grandes filósofos racionalistas foi o francês René Descartes (1596 – 1650). Como princípio primário, resolveu “nunca aceitar qualquer coisa como verdadeira a não ser que a conhecesse claramente como tal”. Assim, dedicou-se a investigar a estrutura do universo. Dando livre curso às suas dúvidas, admitiu a possibilidade de que tudo que havia em sua mente talvez não passasse de sonhos e ilusões. Como, portanto, poderia ter certeza de que o mundo existe? Sua resposta tinha três passos principais. Em primeiro lugar, chegou ao reconhecimento de que, mesmo que duvidasse de tudo o mais, havia uma coisa da qual era impossível duvidar – o fato de que estava duvidando. Isto levou ao seu célebre axioma: Cogito ergo sum (Penso, logo existo). Em segundo lugar, precisava demonstrar que Deus existia. Procurava dar este passo mediante uma combinação entre os argumentos causal e ontológico. De um lado, a idéia de si mesmo como ser finito subentendia a existência de um ser infinito. O terceiro e último passo era fazer a declaração de que, uma vez que Deus é perfeito, Ele não nos enganaria. Não nos deixaria pensar que nossas idéias claras e nítidas fossem verídicas, se realmente não o fossem. Assim, podemos ter segurança de que todas as nossas deduções lógicas acerca da realidade são válidas.
Hoje, o racionalismo está desacreditado, seja do ponto de vista da filosofia, seja do ponto de vista da teologia cristã, e por uma mesma razão, pois é impossível construir mapas da realidade a partir de meros conceitos e definições, sem verificar se as teorias estão de acordo com a experiência. Na esfera da filosofia, isso significa que os racionalistas estavam no caminho errado em seus esforços para fornecer uma compreensão metafísica da ordem natural. Teologicamente, também estavam no caminho errado. O deus dos racionalistas era uma mera abstração hipotética, invocado para fazer com que o sistema funcionasse, mas não aquele que podia ser encontrado de maneira pessoal na história e na experiência presente.



O EMPIRISMO

Assim como o racionalismo, o termo denota não tanto uma escola de pensamento bem definida, mas uma linha geral de abordagem. Em especial, os empiristas do século XVIII preocupavam-se, principalmente, com os problemas relacionados ao conhecimento. Em contraste com os racionalistas, que procuravam construir sistemas filosóficos por meio de raciocínios baseados em verdades supostamente evidentes por si mesmas, os empiristas ressaltavam o papel que a experiência desempenhava no conhecimento. Argumentavam que não temos idéia alguma senão aquelas que derivam da experiência, que chega até nós através dos sentidos. Declarações (exceto aquelas oriundas da lógica pura) somente podem ser tidas como verdadeiras ou falsas ao serem verificadas por meio da experiência.

LOCKE

John Locke (1632 – 1704) é lembrado, principalmente, por ser o pioneiro da abordagem empirista ao conhecimento. Rejeitou a idéia racionalista de que a mente, desde o nascimento, trazia impressas certas noções primárias, evidentes por si mesmas. Pelo contrário, retratava a mente como uma peça em branco que recebia de fora suas impressões. “Suponhamos, portanto, que a mente é, por assim dizer, um papel branco, isento de caracteres, sem quaisquer idéias; como vem a ser suprida de informações? De onde obtém aquela vasta quantidade de informações que a imaginação ativa e ilimitada do homem imprimiu sobre ela com uma variedade quase infinita? De onde vêm todas as matérias da razão e do conhecimento? Respondo a isto com uma só palavra: da experiência; nela, todo o nosso conhecimento é fundamentado e, a partir dela, em última análise, a própria mente deriva”.
Locke fazia uma distinção entre fé e razão. Definia razão como sendo “a descoberta da certeza ou probabilidade das proposições ou verdades, às quais chega a mente por meio da dedução feita a partir de tais idéias, que obteve por meio das suas faculdades naturais, a saber, pela sensação ou pela reflexão. A fé, por outro lado, é o assentimento dado a qualquer proposição que não tenha sido calculada dessa forma, pelas deduções da razão, mas sim pelo fato de o proponente merecer crédito, como algo proveniente de Deus através de algum modo extraordinário de comunicação. A este modo de os homens descobrirem as verdades chamamos de revelação”.
Para Locke, os milagres do cristianismo não eram algo pelo qual devessem se desculpar. Depois de terem sua credibilidade devidamente examinada, os milagres são evidências em prol da fé cristã. “Onde o milagre é admitido, a doutrina não pode ser rejeitada; acompanha a certeza de uma atestação divina dada àquele que aceita o milagre, e não podemos questionar a sua veracidade.”

ILUMINISMO E CETICISMO

ROUSSEAU

Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) foi, sucessivamente, protestante, católico e deísta. Não se opunha à religião em si, somente às encrustações da ortodoxia. Afasta bruscamente a teologia racional e natural de um lado e a religião revelada do outro lado, e favorece uma religião natural baseada nos sentimentos. Depositar qualquer confiança em milagres, bem como em eventos passados, mergulha tudo na incerteza. Deus não é, em última análise, um tema apropriado para a argumentação e o debate. Já é conhecido nas profundezas do nosso ser. É perigoso especular; é muito melhor repousar em Deus. “...Digo em vão: Deus é assim, eu o sinto, eu o experimento, mas nem por isso compreendo como Deus pode ser assim. Numa palavra: quanto mais me esforço para imaginar sua essência infinita, tanto menos a compreendo; mas ela existe e isto me basta; quanto menos entendo, tanto mais adoro. Humilho-me, dizendo: ‘Ser de todos os seres, eu existo porque tu existes; fixar meus pensamentos sobre ti é subir até a fonte da minha existência. O melhor uso que posso fazer da minha razão é resigná-la diante de ti; minha mente se deleita, minha fraqueza se regozija ao me sentir esmagado por tua grandeza.”



KANT

Immanuel Kant (1724-1804), num artigo publicado em 1784, pergunta a si mesmo: o que é o Iluminismo? E ele mesmo responde: “O Iluminismo acontece quando o homem emerge da imaturidade que impôs a si mesmo – emerge da sua dependência das autoridades externas e da sua relutância em empregar seu próprio entendimento.”
O lema do Iluminismo era: “ouse usar seu próprio entendimento”. Este lema aplicava-se especialmente à religião. Nenhuma geração deve ser obrigada pelos credos e dogmas de gerações passadas. Deixar-se limitar assim é uma transgressão contra a natureza humana, cujo destino encontra-se no progresso. A humanidade está em processo de chegar à maioridade, por isso se recusa a submeter-se às autoridades externas, e julga tudo segundo seu próprio entendimento.
Jesus ensinava que o segundo grande mandamento era amar o próximo como a si mesmo. Ao dizer isso, estava estendendo o ensino da revelação veterotestamentária. Ao mesmo tempo estava expressando uma obrigação que as pessoas em geral (religiosas ou não) sentem, independente de cumpri-la ou não. Jesus, no entanto, fez seus ouvintes se lembrarem de uma obrigação ainda mais sublime – amar a Deus com a totalidade do seu ser. Esta obrigação também fazia parte da revelação veterotestamentária a Israel. Outra vez, porém, as pessoas de modo geral já têm consciência de uma obrigação para com Deus. Isso vale não somente para o Cristianismo como também para outras religiões. É uma verdade, quer as pessoas levem a sério ou não. É algo que existe no fundo de nossa mente, algo que Kant, assim como muitos outros, discretamente passaram por cima ao estruturar seus sistemas filosóficos.
A liberdade humana é um fato que não pode ser comprovado. Do ponto de vista científico, segundo Kant, nossas ações estão sujeitas às leis da causalidade, mas a obrigação moral introduz um fator novo, pois subentende a liberdade de obedecer ou de desobedecer à lei moral.
O Cristianismo, segundo Kant, precisa ser reavaliado, despojado de coisas que extrapolem seus limites, tais como a fé e a crença num Deus sobrenatural que pessoalmente intervém nas questões humanas. No seu lugar, quer colocar uma religião sóbria, pronta para ser utilizada pelo homem moderno, iluminista. O resultado é um deísmo totalmente atenuado.
O conceito cristão da revelação – do Deus que se revelou na história e na experiência pessoal através de eventos e da sua palavra – é substituído pela razão. As histórias bíblicas são perfeitas para a grande massa inculta. Apresentam uma maneira pitoresca de lhes ensinar moralidade, mas em última análise, “o princípio de comando supremo” é a “razão humana universal”. Os conceitos cristãos de graça e salvação – que Deus faz pelo homem aquilo que o homem não pode fazer por si mesmo, ao apagar seus pecados e restaurá-lo à comunhão com Deus, exclusivamente pelo amor – são substituídos por uma religião rígida, inflexível, cujo lema é a auto-ajuda. “A religião verdadeira não deve consistir em saber ou considerar aquilo que Deus faz ou tenha feito em prol da salvação, mas sim naquilo que nós devemos fazer para nos tornarmos dignos dela... Quanto à necessidade da religião, todo homem pode estar totalmente certo, sem precisar de qualquer ensino das Escrituras. O próprio homem deve fazer, ou ter feito por si mesmo, tudo quanto é ou virá a ser no aspecto moral, para o bem ou para o mal”.
Kant não estava disposto a descartar completamente a religião. Ainda assim, para todos os fins práticos, sua religião era uma religião sem Deus e, na verdade, uma religião sem religião. Não levava a qualquer adoração ou culto. Suas idéias centrais podiam ser praticadas por qualquer pessoa, fosse ela religiosa ou não. Deus é relegado à posição de uma hipótese secundária e Jesus é “a idéia personificada do bom princípio”, a encarnação do bem moral.

O SÉCULO XIX

Na imaginação popular, a era vitoriana foi um período em que todos, sem exceção, se conformavam ao mesmo código moral rígido e praticavam a mesma religião inflexível e sem alegria. Na realidade, o século XIX foi, ao mesmo tempo, um período de fé e de descrença. Testemunhou uma expansão missionária sem paralelos, e viu avivamentos religiosos acontecendo em todos os cantos do globo. Os bancos das igrejas do mundo ocidental ainda estavam repletos de devotos. Fora da igreja, porém, não faltavam vozes estridentes que insistissem que os fiéis estavam se iludindo. E até mesmo dentro das igrejas podia-se ouvir o tom pretensamente culto daqueles que tinham chegado à conclusão de que não mais era possível crer no Cristianismo da mesma maneira que vinha acontecendo até então.

SCHLEIERMACHER (1768 – 1834)

Por enquanto, temos notado duas largas vias de abordagem ao conhecimento de Deus. Temos a via dos reformadores, que baseavam seu ensino na revelação bíblica e a via dos filósofos, que procuravam elaborar uma teologia natural baseada em várias deduções lógicas acerca da natureza do mundo ou da própria idéia de Deus (argumento ontológico). A partir de Tomás de Aquino, houve aqueles que procuraram combinar as duas abordagens, mediante o simples expediente de somá-las. Ainda houve filósofos, como Kant, que sustentavam que esses dois tipos de abordagem se anulavam mutuamente. Como a teologia natural estava podre em seus alicerces, era incapaz de sustentar a superestrutura da teologia cristã. Schleiermacher procurou obter o melhor proveito de ambas as abordagens, ao seguir um caminho que representava um meio-termo entre as duas. Desenvolveu aquilo que às vezes é chamado de teologia positiva.
A religião envolve inúmeros aspectos diferentes. Há atos de caráter religioso, tais como a participação no culto e a prática do bem. Há, também, o aspecto do conhecimento, que pode ser classificado sob o título geral de teologia (quer se trate de uma dissertação erudita ou de uma história bíblica ensinada na escola dominical). Schleiermacher chegou à conclusão de que a essência da religião não era nem os atos, nem o conhecimento, mas algo que os dois tinham em comum, “um senso de infinito e um gosto por ele”, a consciência de ser totalmente dependente ou de estar em relacionamento com Deus, o que é a mesma coisa. Resumindo: “a essência da religião encontra-se no nosso senso de dependência absoluta”. Assim, o pecado é interpretado como sendo “aquilo que anuvia o nosso senso de dependência absoluta”, seria um “estado sem Deus” ou “o esquecimento de Deus”. A redenção, portanto, é entendida como sendo “a restauração do nosso senso de dependência”. Acontece que a experiência cristã relaciona este acontecimento com a pessoa de Cristo.
“O Redentor, portanto, é como todos os homens em virtude da identidade da natureza humana, mas distinto de todos eles pela potencialidade constante da sua consciência de Deus, que era uma verdadeira existência de Deus dentro dele”.
Em outras palavras, Schleiermacher está dizendo que não devemos pensar em Jesus como sendo o Deus-homem da ortodoxia cristã, o Verbo divino que tomou sobre si a natureza humana. Jesus era um homem que andava tão perto de Deus que poderia se dizer que Deus habita nele. Assim, a obra redentora de Jesus era “acolher os crentes dentro do poder da sua consciência de Deus.” Não se tratava de carregar seus pecados por eles, mas, sim, de comover os homens de tal maneira que “o princípio que o inspira fica sendo nosso também.” Sua doutrina da reconciliação ainda guarda alguma semelhança com a ortodoxia protestante: “A aceitação na comunhão viva com Cristo, vista como um relacionamento transformado entre Deus e o homem, é sua justificação; vista como uma forma de vida transformada, é sua conversão.” Quando, porém, fala sobre a Trindade, a chama de “pedra de amarração da doutrina cristã”. Enfim, ele crê em Deus, pois é de Deus que sentimos dependência absoluta, mas Jesus é apenas um homem que teve esta experiência em grau absoluto.

HEGEL E O IDEALISMO

Para muitos filósofos e teólogos da geração anterior, o idealismo era considerado a filosofia moderna. Em sentido mais amplo, o termo idealismo denota o ponto de vista de que a mente e os valores espirituais são mais fundamentais do que os materiais. É contrário ao naturalismo, que explica a mente e os valores espirituais em termos de objetos e processos materiais.
Segundo Hegel (1770 – 1831), principal expositor do idealismo alemão do século XIX, “somente o espírito é realidade”, ou seja, toda a realidade é concretização do espírito. “A história do mundo é a disciplina da vontade natural incontrolada....”


O ATEÍSMO E O AGNOSTICISMO


Ateísmo significa descrença ou negação da existência de Deus. A palavra é usada desde os fins do século XVI. Já a palavra agnosticismo é mais recente (século XIX). É usada não para negar totalmente a Deus, mas para expressar dúvida quanto à possibilidade de atingir o conhecimento e para protestar ignorância.
Para alguns, a história intelectual do século XIX é a história da derrota final de Deus e da subseqüente procura de filosofias que preenchessem a vaga deixada por ele.
Para Feuerbach (1804 – 1872), “o ser divino nada mais é senão o ser humano, ou melhor, a natureza humana purificada, libertada dos limites do homem individual, tornada objetiva, contemplada e reverenciada como outro ser, um ser distinto. Todos os atributos da natureza divina são, portanto, atributos da natureza humana”, ou seja, “a teologia nada mais é senão a antropologia; o conhecimento de Deus nada mais é senão um conhecimento do homem!”

MARX E O MATERIALISMO DIALÉTICO

Karl Marx (1818 – 1883) denunciou a religião como inimiga do progresso. “O homem faz a religião, a religião não faz o homem. A religião é, na verdade, a autoconsciência e o autoconhecimento do homem, enquanto este ainda não tiver encontrado meios de se sustentar em pé no universo. Mas o homem, contudo, não é um ser abstrato, acuado fora do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado e a sociedade. Este Estado, esta sociedade produzem a religião, que é uma consciência invertida do mundo, porque são um mundo invertido, às avessas... O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, uma expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de um mundo sem coração, e a alma em condições desalmadas. É o ópio do povo. A abolição da religião, como felicidade ilusória dos homens, é uma exigência que visa sua felicidade verdadeira.”
Segundo Marx, o vácuo deixado pela religião deveria ser preenchido pelo materialismo.
Os marxistas são verdadeiros “crentes”. Estão engajados em “evangelizar” seus colegas. Dificilmente se encontra um que admita haver “erros” nas formulações de Marx. Citam-no como o cristão cita a Bíblia: como autoridade última.
O antagonismo entre o marxismo e o cristianismo é particularmente profundo por serem os dois “religiões” absolutas. É que em vez de abolir a religião, o marxismo tornou-se uma religião secular. Seus ensinos são apresentados como substitutos para as doutrinas cristãs:

CRISTIANISMO x MARXISMO / COMUNISMO

- O Deus vivo, Criador / Materialismo, dialética
- Trindade: 3 pessoas em um só Deus / Marx, o legislador; Lênin, a verdade encarnada; Stalin, o guia.
- O povo escolhido de Deus / Proletariado destinado a herdar a terra.
- O mal: o pecado e a morte / A propriedade privada é a fonte de todos os males sociais;
- Redenção pela cruz – morte de Jesus / Revolução – sofrimento do proletariado
- Igreja: amor e evangelização / Partido: luta de classes
- As Escrituras (Bíblia) / Os escritos de Marx e Lênin
- Segunda vinda de Cristo – O Dia do Senhor / Mudança de estruturas – vitória dos operários sobre a burguesia.
- Reino de paz. / O Estado desaparece. Surge o Estado final, sem classes.


NIETZSCHE E A ESCOLA DA MORTE DE DEUS

Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) foi considerado o membro fundador da escola da morte de Deus na teologia. Seu ponto de partida era a não-existência de Deus. O homem, portanto, é deixado por conta própria. Visto que Deus já não existe, o homem deve cunhar seu próprio modo de vida, ou seja, se Deus já não existe, o homem tem de enfrentar tudo sozinho. Embora isto traga certo senso de alívio, também traz consigo uma certa ansiedade acerca do futuro. De todos os ateus do século XIX, Nietzsche era o mais consistente. Segundo ele, deveria haver uma limpeza total na humanidade para que o homem pudesse começar do zero, e decidir por vontade própria aquilo que é certo ou errado.
“O mais importante dos eventos mais recentes – o fato de que ‘Deus morreu’, que a fé no Deus cristão se tornou indigna de crédito – já começa a lançar suas primeiras sombras sobre a Europa... Na realidade, nós, os filósofos, os ‘espíritos livres’ sentimo-nos como que iluminados por uma nova aurora pela notícia de que o ‘velho Deus está morto’; nossos corações transbordam de gratidão, de assombro, de pressentimento e de expectativa. Finalmente, parece que o horizonte está aberto de novo, ainda que reconheçamos que não esteja brilhante; nossos navios podem finalmente sair para o mar aberto, enfrentando os perigos. Todo risco é permitido outra vez para quem tiver discernimento; o mar, o nosso mar, mais uma vez está aberto diante de nós, talvez nunca tenha existido um mar assim tão aberto antes.”

A TEOLOGIA LIBERAL

Os últimos anos do século XVIII e todo o século XIX produziram uma coletânea de obras sobre a “vida de Jesus”, de caráter racionalista e fictício, escritas com base na premissa de que os elementos miraculosos e sobrenaturais na Bíblia já não são mais dignos de crédito.
O teólogo alemão D.F. Strauss (1808-1874) negava completamente o fundamento histórico dos elementos sobrenaturais nos evangelhos. Estes eram lendas ou mitos, criados espontaneamente entre a morte de Jesus e o momento em que os evangelhos foram escritos, no século II. Mas isso, segundo Strauss, não implicava no fim da religião verdadeira. O que fora destruído pela crítica ainda poderia ser recuperado com a ajuda da filosofia idealista de Hegel. O que importava não eram as minúcias da história, mas sim a manifestação do Espírito infinito no finito.
O orientalista francês J.E. Renan (1823 – 1892), por sua vez, também deixou de lado os elementos sobrenaturais nos evangelhos. A medida que Jesus percorria a Palestina de um lado a outro e de alto a baixo, pregando a “doce teologia do amor”, ganhou os corações de todos, mas depois de um desentendimento com os rabinos em Jerusalém, começou a trocar sua teologia judaica pelo fervor revolucionário. Perto do fim, ficou obcecado com um anseio estranho pela perseguição e pelo martírio. Antes da traição e morte porem fim à sua carreira terrestre, lançou os alicerces de um grupo permanente de seguidores. Embora cometesse muitos enganos, a Jesus é assegurado um lugar permanente, sem rivais, entre os imortais da história.
O homem que mais fez (aos olhos do mundo acadêmico) para desacreditar o Jesus moralista dos liberais do século XIX foi Albert Schweitzer (1875 – 1965),ao demonstrar que tinham deixado passar desapercebido o elemento escatológico nos ensinos de Jesus. A figura que Schweitzer colocou no seu lugar, no entanto, dificilmente seria melhor, pois Jesus aparece como um político religioso e fanático que caminhava cegamente pela vida afora. Se Schweitzer tivesse razão, então Jesus estava enganado. O que Schweitzer fez, na verdade, foi substituir uma criação racionalista por outra. Os pormenores são diferentes, mas as premissas são basicamente as mesmas. Schweitzer está de acordo com Strauss e Renan ao eliminar da história a parte sobrenatural.

A TEOLOGIA CONSERVADORA

Aqui, conservador refere-se a uma grande variedade de estudiosos cristãos que acreditavam que a fé cristã histórica ainda era sustentável, apesar de todos os ataques filosóficos e críticos. Nem todos estes estudiosos eram evangélicos, embora concordassem com os evangélicos quanto aos pontos essenciais.
Os evangélicos enfatizavam, com razão, o relacionamento pessoal entre Deus e os homens. Alguns deles percebiam que deviam produzir respostas aos ataques liberais contra a Bíblia, do contrário, sua fé seria subvertida. Para eles, nesse sentido, a erudição tinha um valor puramente negativo. Era um escudo útil contra os dardos inflamados de homens como Strauss ou Renan. Poucos pararam para avaliar se a teologia e a filosofia poderiam enriquecer sua própria fé e aumentar seu entendimento das obras de Deus e da verdade cristã. Os protestantes conservadores fizeram trabalhos magníficos no campo dos estudos bíblicos, mas poucos, ou talvez nenhum, percebeu de fato a necessidade de uma abordagem favorável à filosofia, no sentido de relaciona-la com sua fé bíblica. A história da filosofia no século XX demonstra dolorosamente de que maneira a igreja cristã herdou o legado do século XIX.

A FILOSOFIA E A FÉ NO SÉCULO XX

Antes da segunda guerra mundial, a maioria dos filósofos britânicos da religião ainda estava procurando combater a crescente influência do ceticismo através da consolidação das bases da teologia natural. De uma forma ou de outra, era necessário estabelecer a validade de uma interpretação religiosa do mundo e da idéia de um ser supremo como pré-requisito necessário à introdução da fé cristã.

A LINGUAGEM RELIGIOSA

A verdade da linguagem acerca de Deus não é uma verdade rigorosa e literal. Quando falamos sobre Deus, temos que empregar palavras que são aplicáveis em primeira instância a coisas finitas e a pessoas que existem no espaço e no tempo. Deus, porém, não é um objeto situado no tempo e no espaço. Assim, quando chamamos Deus de nosso Pai, estamos empregando a palavra num sentido especial. A palavra pai normalmente significa um homem que trouxe um ou mais filhos ao mundo, mediante a procriação natural. Trata-se de alguém que pode ser visto e tocado, mas Deus não é assim. Deus não é um pai no mesmo sentido físico.
Toda a linguagem que empregamos acerca de Deus apresenta dificuldades semelhantes. Quando dizemos que ele ama, fala ou age desta ou daquela maneira, estamos empregando a linguagem num sentido especial. Quando, pois, examinamos mais de perto estas ações diferentes, em nenhuma delas realmente vemos Deus como um indivíduo que está praticando uma ação. O que vemos são seres humanos e eventos humanos que, por algum motivo, resolvemos descrever desta maneira um pouco diferente. O que realmente queremos dizer, quando empregamos a linguagem desta maneira? E como podemos justificar este uso?
Uma queixa freqüente do filósofo agnóstico é que as pessoas religiosas continuam a fazer afirmações acerca de Deus, a despeito dos fatos. Ainda insistem em dizer que Deus é amor, apesar das inúmeras tragédias acerca das quais ficamos sabendo pela tv e os jornais. Na realidade, faz algum sentido dizer que Deus cuida do mundo? Quando um cristão faz essa alegação, parece estar fazendo uma afirmação factual, mas depois perguntamos: Alguém já viu a Deus? O que dizer das crianças que morrem de fome e doenças incuráveis? Um pai humano se desdobraria na tentativa de ajudar seu filho aflito, mas não conseguimos perceber quaisquer esforços sobrenaturais óbvios neste sentido. Um cristão talvez responda que Deus é espiritual e invisível; que Deus confiou os assuntos do mundo nas mãos dos homens; e que o céu é mais importante do que a terra. Porém, a esta altura, sua afirmação, aparentemente factual, desgastou-se consideravelmente. O agnóstico começa a perguntar a si mesmo se as declarações religiosas são compatíveis com algum estado de coisas que seja. Se forem, talvez tenham um significado emotivo para quem fala, mas não são, na verdade, declarações factuais, de maneira alguma.
Quando os cristãos dizem que Deus é amor, a despeito de tudo quanto vemos e ouvimos ao nosso redor, talvez pareça àquele que está de fora que tal declaração não tem significado factual. Parece estar sendo usada independentemente daquilo que realmente acontece no mundo. Tal declaração poderia ser comprovada como falsa? Os cristãos podem especificar quaisquer circunstâncias concebíveis que tornariam inverídica sua declaração? A reposta é “sim”. Seria falsa, se o sofrimento nunca revelasse ser uma bênção disfarçada. Seria falsa se a adversidade nunca fosse um meio de encontrar um significado mais profundo na vida. Seria falsa, se as pessoas não tivessem experiência de um propósito superior que Deus opera na sua vida. Seria falsa, se a adversidade nunca oferecesse aos outros uma oportunidade de serviço e abnegação. Seria falsa, se Deus tivesse destinado todos os homens à condenação e não tivesse enviado seu Filho para redimi-los. Sem dúvida, estas respostas dão origem a outras perguntas que, por sua vez, requerem explicação, mas não ajudam somente a demonstrar como seria possível comprovar a falsidade da declaração; também ajudam a definir precisamente o seu significado.
Diante de todo esse contexto, fica patente que a linguagem religiosa nunca é literalmente verdadeira. Sempre é figurada. É como uma parábola, sempre possui um duplo sentido. Alguma coisa é relatada em termos simples, conhecidos, mas seu verdadeiro significado situa-se além deles. Se quiser fazer algum sentido, precisa ser, como declarou Aquino, analógica. As declarações de caráter religioso nunca são totalmente idênticas nem totalmente diferentes do seu ponto de referência. Quando João Batista disse: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”, estava empregando um simbolismo. Nem os ouvintes originais nem os leitores da Bíblia hoje imaginam que ele estivesse falando de um animal lanoso com quatro patas, mas aqueles que sabem alguma coisa acerca da cosmovisão do Antigo Testamento e que tiveram uma experiência cristã sabem que o símbolo se coaduna e dá sentido à sua experiência.

O EXISTENCIALISMO

O existencialismo é, em parte, um movimento de protesto contra a sociedade moderna, massificada. A sistematização da indústria, da tecnologia, da política e da burocracia tende a estrangular os pensamentos e as ações dos indivíduos, cultivando uma mediocridade conformista. Diferentes existencialistas, no entanto, têm reagido de modos diferentes aos problemas da sociedade.
O existencialismo é um daqueles “ismos” que não chega a ser tanto um movimento com um programa mais ou menos comum, quanto uma tendência ou atitude. Há existencialistas que são ateus e há existencialistas que são cristãos professos.
O existencialismo também tem sido definido mais como uma tentativa de filosofar do ponto de vista do ser humano no papel de ator do que do ponto de vista tradicional, onde ele figura como um mero espectador imparcial.
“A palavra existência, portanto, é empregada para enfatizar a declaração de que cada pessoa é única, nos termos de qualquer sistema metafísico ou científico; é um ser que escolhe tanto quanto um ser que pensa ou contempla; é livre, e por ser livre, sofre; e assim, visto que seu futuro depende em parte de suas livres escolhas, não é inteiramente previsível. Este uso específico também sugere que a existência é algo genuíno ou autêntico em contraste com a hipocrisia, que um homem que meramente contempla o mundo está deixando de realizar os atos de escolha que sua situação exige. Permeando todas estas sugestões diferentes, embora conexas, está a idéia fundamental de que cada pessoa existe e escolhe, no tempo, e tem somente uma quantidade limitada de tempo à sua disposição, dentro do qual pode fazer as escolhas que lhe são tão importantes. O tempo é curto; há decisões urgentes a serem tomadas; somos livres para faze-las, mas o simples pensamento do quanto as coisas dependem da nossa decisão faz da nossa liberdade uma fonte de angústia, porque não podemos saber, com nenhum grau de certeza, o que será de nós.”
Um dos mais famosos existencialistas ateus é o escritor, dramaturgo e filósofo francês, Jean-Paul Sartre (1905 – 1980). Sartre se preocupava com as plenas implicações do ateísmo para a existência pessoal. Diferentemente dos intelectuais seculares franceses dos fins do século XIX, que refutavam a idéia de Deus, mas ao mesmo tempo desejavam manter a moralidade cristã, ele insiste que o ateu verdadeiro não pode trapacear desta maneira. Deve ser consciente até as últimas conseqüências.
Um outro escritor considerado um dos principais patriarcas da existencialismo é o russo Feodor Dotoievsky (1821 – 1881): “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Este, segundo Sartre, é o ponto de partida do existencialismo. Diz ele: “O homem é jogado no mundo e deixado ali, à sua própria sorte. Quer goste, quer não, deve viver por conta própria. Deve elaborar seus próprios valores. Não pode evitar fazer escolhas. Até mesmo quando procura adiar uma escolha, o próprio adiamento é um ato de escolha e tudo quanto escolhe contribui para transformá-lo no tipo de pessoa que virá a ser. A natureza do homem nunca é fixa no tempo. É sempre um produto daquilo que ele faz, do que pensa e escolhe. E o tempo todo permanece sobre sua cabeça, como espada, a perspectiva da morte e as angústias que são parte integrante da sua existência solitária. O homem tem razão em prosseguir na busca de idéias sublimes, mas a morte zomba de tudo e, no fim, transforma tudo em nada.”

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